Era uma vez uma escola. Todos nós sabemos o que é que se faz nas escolas, certo? Trabalhamos e aprendemos para o bem do nosso futuro, e para o nosso próprio bem. E esta escola não tinha nada de diferente, nesta escola trabalhava-se, faziam-se os trabalhos de casa, arranjavam-se amigos… Enfim, tudo isso. Só que, claro, também há o que todos os alunos gostam de fazer quando estão em altura de aulas e já estão descansados em relação aos testes; as visitas de estudo. Claro, são para estudar e aprender, só que… Enfim, podemos ir para o ar livre, faltar a umas quantas aulas… É bom. Além disso podemos passear com os nossos amigos.
Mas, como vão descobrir ao longo desta história, nem todas as visitas de estudo são assim tão espectaculares.
Bem, esta escola de que vos vou falar chamava-se São Julião da Barra. Era bonita. Grande, espaçosa, tinha campo de futebol, cantina, tinha um bar e biblioteca. Tinha muitas turmas, desde o 5º ano, até ao 9º. Mas, eu vou-vos falar da turma do 5ºB. Era uma boa turma, tinha meninos traquinas, mas, o que é que se pode dizer? Eram crianças.
Uma manhã, eram 8h15m, ou seja, hora para os meninos irem para as aulas. Entraram todos os dezanove meninos. E lá ficaram à espera da Directora de Turma (Prof. Ilda Fernandes), que lhes trazia óptimas notícias. Os nomes dos meninos do 5ºB eram: Ana, Bárbara, Beatriz, Bruno, Catarina, Eluísa, Gonçalo, Helena, Joana, João, Filipe, Mafalda Cadete, Mafalda Campos, Leonor, Mariana, Matilde, Rodrigo, Rui e Wesley.
Quando a D.T. (Directora de Turma) chegou, os alunos repararam na sua cara de felicidade, e então perguntaram:
- Professora. – Chamou a Bárbara. – Parece muito entusiasmada.
- Pois, meninos. – Disse a Prof. Ilda. – Como todos sabem, só temos 1 visita de estudo por ano, e…
- Vamos a uma visita de estudo, “stora”? – Interrompeu o Gonçalo.
- Não me deixam falar. Pouco barulho, meninos. Sim, vamos a uma visita de estudo!
Estavam todos muito entusiasmados, como podem calcular. Uns diziam: “Que fixe, onde é que vamos, professora?” E outros ainda diziam e perguntavam: “Que giro”, “Quando é que vamos?”
- Calma, meninos! – Exclamou a Professora, batendo palmas para chamar a atenção dos seus alunos. – Vamos a um sítio muito especial. Vamos a uma pequena aldeia lá para o Norte chamada Chaves. Alguém conhece?
Todos abanaram a cabeça, dizendo que não.
- Pois bem, então vão conhecê-la na segunda-feira. Ou seja… Daqui a uma semana.
- Stora, vamos ficar lá por quantas horas? – Perguntou o João.
- Queres antes dizer, a quantas aulas vamos faltar? – Perguntou Leonor, à espera de uma confissão.
- Cala-te, Leonor! – Exclamou o João, já com cara de quem não quer saber da opinião de uma rapariga.
- Cala-te tu. – Ripostou Leonor.
- Meninos! Parem imediatamente com isso! Meu Deus! Não se sabem dar bem? Acalmem-se. João, desta vez não vamos ficar lá horas, ok? Desta vez temos que ficar lá uma semana inteira.
- Ei, que fixe! – Gritou, sem querer Matilde, batendo de imediato na boca. – Desculpe, desculpe.
- Não faz mal. – Afirmou a professora. – Bem, vou precisar da autorização dos vossos pais ou avós, enfim, dos vossos encarregados de educação, está claro?
- Sim. – Disseram todos em coro.
A Directora de Turma levantou-se calmamente, pegou na sua mala verde muito escura, tirou de lá uns papéis com um clip. Tirou o clip e levantou-se, para distribuir os papéis.
- Bem, vamos partir exactamente às 10h00 da manhã, por isso é bom que estejam todos cá por volta das 9h15, entendido? A hora prevista da chegada é às 15h30.
- Trazemos comida? – Perguntou a Ana.
- Não será necessário. Compramos comida e almoçamos no caminho…
- Professora, onde vamos ficar hospedados? – Perguntaram.
- Num hotel de 3 estrelas. Não é muito, mas também só lá vamos para passar a noite, por isso. Não me consigo recordar do nome, mas não tem problema. Está bem?
- Sim. – Responderam todos em coro, uma vez mais.
- Preciso destes papéis amanhã, ouviram? Tenho que marcar, reservar, calcular, apontar, avisar… (suspiro), esta visita de estudo é bom que valha a pena, vai-me dar um trabalhão!...
Passado uma semana…
Por coincidência, todos os meninos puderam ir à visita de estudo. Nenhum deles alguma vez tinha ido a uma visita de estudo prolongada a uma semana. Estavam todos muito energéticos e entusiasmados. Já eram 10h00 e lá estava o autocarro, pronto para fazer uma longa caminhada. Era amarelo, cheio de graffitis embora os pneus parecessem ser de alta qualidade. O motorista parecia um sem-abrigo. Tinha olhos verdes, que até eram muito bonitos, tinha o cabelo despenteado e branco, parecia que tinha sido sugado por um furacão, as longas barbas eram iguais, brancas e despenteadas. Usava um casaco até aos joelhos, cinzento gasto, umas calças verdes flurescentes e uns sapatos de vela, também gastos, brancos.
- Prontos para a viagem, meninos? – Perguntou o motorista.
- Sim!!! – Responderam todos.
Podia-vos dizer que eles se estavam a divertir, a cantar, a dançar, a ouvir música, mas a verdade é que estaria a mentir. A viagem era demasiado longa, 5 horas inteirinhas ali, sentados, sem fazer nada, a ouvir alguns colegas a ressonar…
Uma hora depois…
- Motorista? – Chamou a Prof. Ilda. – Não era suposto já estarmos lá? São 16h30!
- Pois, eu… - Sussurrou o motorista. – Eu acho que me perdi…
- O quê?! Não pode ser! Mas, mas e o que é que lhes digo? Isto pode ser perigoso, isto por estas bandas há muito drogado e maluco. Ainda nos roubam a carrinha!
E foi então que o Wesley perguntou:
- Professora, falta muito?
- Hum… Meninos, tivemos aqui um pequeno problema e estamos perdidos.
- O QUÊ?! – Gritaram.
Claro que por mais que refilassem, não havia nada a fazer. Pedir direcções era demasiado perigoso. Seria o mesmo que pedir que os assaltassem mais rapidamente.
Já era noite e todos pararam ao pé de umas macieiras e pereiras que por sorte se encontravam ali. A professora continuava a tentar dizer-lhes que aquilo não era nada, que no dia seguinte já estaria tudo bem e já podiam ir tomar um pequeno-almoço gigante e um almoço ainda maior. E que poderiam dormir em camas confortáveis, com lençóis e cobertores quentinhos.
As primeiras a acordar foram a Mafalda Cadete e a Mariana. Mal se levantaram, viram dois polícias a pôr uma multa no pára-brisas do autocarro. Mariana levantou-se e disse:
- Olá?
- Ah, já acordaram. Quem são vocês? Sem-abrigos? – Perguntou um polícia.
- Não, não somos sem-abrigos. Somos estudantes. – Afirmou a Mafalda Cadete.
- Exacto. Íamos numa visita de estudo, só que… Bem, digamos que o motorista se destraíu e enganou-se no caminho.
- Ah sim… E passaram aí a noite toda?
Passado pouco tempo, toda a gente acordou. E a Catarina perguntou, ainda bocejando:
- O que é que se passa?
- Porque é que nos ‘tão a multar? Não temos culpa de nos termos perdido! – Afirmou o Rui.
- Senhores polícias, nós perdemo-nos e não tínhamos onde ficar, por isso… quer dizer, viemos cá fora para comer fruta.
- E acho que adormecemos cá fora. – Interrompeu Eluísa.
- Senhores guardas. – Chamou a Prof. Ilda, fazendo sinal aos seus alunos para irem para dentro do autocarro. – Por favor, não fazíamos a minima ideia de que não se podia estacionar neste local. Além disso, o motorista…
A Prof. Ilda olhou à volta e apercebeu-se de que o motorista tinha desaparecido. E, ao mesmo tempo, todos os alunos saíram do autocarro queixando-se que lhes tinham roubado os telemóveis.
E o Sr. Agente perguntou:
- Estão a dizer que acham que o tal motorista vos roubou os telemóveis e objectos pessoais?!
- Não Sr. Agente, só mesmo os telemóveis. – Esclareceu o Jorge Filipe.
- Exacto. Provavelmente para que não pudéssemos contactar ninguém. – Afirmou a Mafalda Campos.
- Hum… E podem descrever esse tal motorista?
- Sim, claro. – Disse a Professora Ilda, cobrindo a boca com as mãos.
Entretanto, dentro do autocarro, os alunos não paravam de arranjar ideias que justificassem as acções do motorista.
- Não sei, acham que ele fez tudo isto de propósito só para conseguir os nossos telemóveis? – Perguntou a Bia.
- Acho que não. Se esse tivesse sido o caso, porque razão é que ele limitou-se a levar os telemóveis? Seguindo a lógica, só ganhava se levasse as outras coisas também, como por exemplo os Mp3’s, os iPhone’s e também o pouco dinheiro que trazíamos. – Raciocinou Bruno.
- Ei! – Exclamou a Joana – Ele vai ali!!! O motorista está ali! Corram, atrás dele!
- O quê?! Mas… Mas não devíamos contar antes à polícia? – Perguntou Rodrigo, sob pressão.
- Claro, se quiseres que ele fuja! – Exclamou o Bruno, já a correr.
De maneira que foram todos a correr, atrás do motorista, que levava um grande saco do lixo, que provavelmente tinha lá dentro os bens deles.
Correram mais ou menos por meia dúzia de minutos e, quando deram por si, estavam num grande campo lindíssimo, coberto da relva mais verde, agradável e viva que podia existir, com flores de todas as cores; vermelhas, amarelas, azuis, brancas, cor-de-laranja, liláses, roxas… Era tudo tão bonito. Era a Natureza.
E lá estava o motorista:
- Sabem, meninos…
- Dê-nos imediatamente todos os nossos telemóveis! Ladrão. – Gritou o Gonçalo, a ameaçá-lo só com o olhar.
- Não! – Exclamou o motorista. – Eu não sou ladrão! Por amor de Deus. Eu… (suspiro). Eu peço imensa desculpa por vos ter roubado os telemóveis. Prometo que vos devolvo. Mas primeiro, ouçam.
- Você vai para a cadeia, é o que é. – Disse a Catarina.
- Não! Bolas, vocês crianças só se querem fazer ouvir. Há aqui algum bom ouvinte? - Ninguém respondeu. Não percebiam. Ele era um criminoso mas, afinal de contas o caso não era assim tão sério. Até se oferecera para devolver o que havia roubado. Era tudo muito estranho. – Já ouviram falar do “Poeta da Chaminé”?
- Ya, não era bom da cabeça. – Afirmou a Ana. – Dedicava todos os poemas à sua amada, uma tal de Sofia.
E a Mariana continuou:
- Exacto. Declarava-lhe os poemas que escrevia na sua chaminé. Num livro, dissera que era porque gostava de olhar para as estrelas enquanto escrevia e pensava na sua amada.
- Não me lembro bem, mas acho que era porque dizia que cada estrela existente e visível que há no céu representa um parente. Comunicava com eles dessa forma. Uma tolice, se quer que lhe diga! – Exclamou Rui.
- Não, é verdade! – Afirmou o motorista, prestes a libertar umas quantas lágrimas.
Até que a Bia perguntou:
- Espere lá… Porquê essa tal conversa agora? Do “Poeta da Chaminé”? Você… Você conhecia-o!...
- Se querem que vos diga, não me conheço assim tão bem…
- Você?! Pois claro, vá gozar com outro. O “Poeta da Chaminé” morreu há dois anos atrás. –Exclamou Mafalda Cadete.
Todos olharam para os olhos verdes e bem abertos, embora molhados, daquele pobre motorista. Pareciam hipnotizados. Neles viram a verdade.
- É verdade… - Murmurou o João. Durante dois minutos ninguém abriu a boca, até que o João disse: - Dá-me um autógrafo?!
- Desculpa rapaz. Mas não… Não tenho autógrafo. Depois de tantos anos na ruína, sem nada fazer, confesso que me esqueci dele. Não dou autógrafos há muitos anos. Desculpa. Mas, eu… Vou-vos contar uma história. Passou-se há trinta anos atrás, na casa da minha amada. Era de noite. O céu estava coberto de estrelas que me diziam para me declarar. E eu, parvo, aceitei. De maneira que, eu (estando as porta da frente e das traseiras trancadas resolvi entrar pela chaminé). Como a casa era bem nova, não era díficil subir para o telhado. Havia dois pilares da parte da frente da casa, de maneira que bastava subi-los. Como eram ásperos, facilitava bastante. Depois era só aconchegar-me lá, tinha o meu bloco, a minha caneta, e escrevia. Ela sentava-se na sua grande poltrona ao pé da lareira a beber cacau quente e a ver a “SIC MULHER”. Fazia isso todas as sextas-feiras. Engraçado. Bem, eu tenho é que descobrir se ela ainda… cá está, entendem? Ainda a amo e ainda quero passar o resto da vida com ela! Mas não tive coragem de entrar, ela ia pensar o quê de mim? Que era um criminoso? Um ladrão? De maneira que apenas fiz o que fazia todas as noites.
- Mas o senhor tem sessenta anos. E ela, segundo os seus poemas, deve estar perto dos cinquenta e quatro anos! – Afirmou a Eluísa.
- Ou seja… O misterioso “Poeta da Chaminé” precisa da nossa ajuda?... – Perguntou, Wesley, entusiasmando-se.
- Hum… E o que é que nós recebemos em troca? – Perguntou a Leonor. – Afinal de contas…
- Respostas. – Interrompeu a Joana. – Nós queremos respostas! E os nossos telemóveis de volta, claro.
- Sim, claro. Aceito. Responder-vos-ei a qualquer pergunta.
A primeira pergunta foi a da Matilde:
- Como é que nunca ninguém o viu? Nem a Sofia?
- Bem, como é óbvio, ninguém anda a olhar para o telhado de sua casa, é um pouco incomum. Além disso eu era bastante silencioso. Não se ouvia absolutamente nada de dentro. E, quanto às outras, acho que era porque o bairro era pequeno e, para além do mais, ninguém gostava muito da minha querida Sofia. Ela também era muito tímida. E acho que duas ou três pessoas achavam que eu era o seu marido.
A segunda pergunta coube ao Jorge Filipe:
- Como é que a conheceu, senhor?
- Ai… O melhor dia da minha vida, se querem que vos diga! Ela acabava de se mudar. Tinha o cabelo solto, tinha vestido uma T-shirt amarela com um casaco preto e uma saia bege, com uns ténis brancos com uma risca amarela. Tão bonita… Eu não resisti, tinha que ir falar com ela. Ela… achou-me um pouco esquisito, como é óbvio! Bolas! Nunca tive jeito nenhum com as mulheres! Só digo disparates.
- E nunca mais falou com ela? – Perguntou a Helena.
- Achei melhor não. O meu amor por ela era impossível. Ela era uma beldade! E eu… eu sou uma desgraça.
- Não o quero levar a baixo, mas… O que é que o faz pensar que desta vez não correrá mal, uma vez mais? – Interrogou-se Rodrigo.
- Já não tenho a idade que tinha. Na altura fiz o que achava ser o melhor para a Sofia, mas se fosse hoje, faria tudo de maneira tão diferente! Algo me diz que esta é a minha última hipótese para lhe dizer o que sinto.
- Última pergunta: Porque é que parou de escrever? – Perguntou a Bárbara.
- Porque… Ouçam; eu não tenho família, não tenho amigos, nem um cão. O que me fazia levantar todas as manhãs era a minha Sofia, não era o dinheiro nem a escrita. Era o pensamento de que poderia arranjar a coragem de que precisava para lhe declarar o meu amor. Que aquele ia ser o dia da minha vida. Desde que me apercebi de que estava a ficar falido é que comecei a carreira de motorista. Escolhi-vos a vocês para me ajudarem porque a professora Ilda é minha irmã. Eu falei com ela, pedi-lhe autorização para falar convosco. Está a dar informações erradas à polícia. Agora, por favor, eu imploro-vos. Ajudem-me.
Olharam todos uns para os outros e concordaram que ajudar aquela pobre alma era o mais correcto a fazer.
- O que queres que façamos? – Perguntaram todos em coro.
O motorista telefonou à sua irmã, à Prof. Ilda, a perguntar dos polícias e ela dissera-lhe que eles se tinham ido embora. De maneira que ele e a turma voltaram para o autocarro e dirigiram-se para Chaves. Aquela aldeia tão bonita.
Já estavam em frente à casa de Sofia. As mãos do motorista tremiam como se fosse a mais fria noite de Inverno. Ele tinha a consciência de que ela poderia não se encontrar lá, mas… Ele tinha de saber. Não suportava o facto de não a poder ver mais. Nunca mais.
Tocou à campainha. Olhou para trás, hesitando. A turma e a Prof. Ilda desejaram-lhe muita sorte, por isso ele sentia que não estava sozinho, de maneira nenhuma.
Uma senhora negra, com roupas… indecentes abriu a porta e perguntou:
- O que queres seu banana?
- Eu… Estava à procura da Sofia. Sofia Duarte.
- Ela não mora aqui, ciganinho. Mudou-se há cerca de dois meses.
- Sabe a morada? Mudou-se para onde? Por favor, eu tenho mesmo de saber.
- Sintra. Conheces?
- Sintra… Sim, conheço mas não sei o caminho.
- Vou buscar um mapa, fica aí. Ai de ti que saias, já volto.
Quando a mulher voltou…
- Aí tens. Boa sorte a encontrar a tua miúda.
- Obrigado!
E lá foram todos, no autocarro. A viagem demorou cerca de cinco horas e meia. Quando lá chegaram eram 17h50m. Como a senhora negra que agora vivia na antiga casa de Sofia não lhes dissera a morada, eles estiveram 2horas inteiras a perguntar por ela. Se alguém conhecia uma senhora chamada Sofia Duarte que se mudara para cá há cerca de dois meses. E ninguém estava a ver quem ela era. Até que…
- Boa noite, desculpe incomodar, por acaso não conhece uma senhora chamada Sofia Duarte, mudou-se para cá há cerca de dois meses atrás? Tem cerca de cinquenta e quatro anos…
- Por acaso conheço. Cabelo moreno, olhos azuis escuros…
- Sim! Sim! Exactamente! Sabe onde ela vive?
- É a minha mulher.
Aquelas quatro palavras partiram o coração do pobre motorista. Não sabia o que dizer. Estava casada. A Sofia, a sua Sofia, o amor da sua vida tinha já um homem no seu coração e não era ele.
- Hum… A sério? Sofia Duarte? Cerca de 1.60m…
- Exacto. Não creio estar a confundi-la. Mas porquê? Conhece-a de algum lado? – Perguntou o homem.
- Sim. Eu fui o vizinho dela. Ela tinha uma casa em Chaves.
- Sim, sim… Mas eu levo-o à minha mulher, você parece ser boa pessoa. Aqueles miúdos são seus?
- Não, eu sou solteiro. E motorista, aquela é uma turma.
- Vieram visitar Sintra?
- Não, mas perdoe-me mas é uma longa história que infelizmente não vai ter a hipótese de ouvir.
E lá foi o motorista com aquele homem que tinha o braço à volta do seu pescoço. Andaram cerca de 20minutos, sem dizerem absolutamente nada e pararam em frente a uma grande casa amarela.
- Entre. – Afirmou o homem, abrindo a porta das traseiras.
- Muito obrigado. E o que é que você faz?
- Sou advogado. Ah! Mais que falta de educação a minha, peço imensa desculpa, sou mesmo tolo, nem me ocorreu apresentar-me! O meu nome é Ricardo Silva.
Entraram os dois para dentro de casa, e o Sr. Silva levou o motorista para uma sala escura, só com uma cama e com um lavatório que estava absolutamente nojento.
- Mas…
- Entre imediatamente e cale-se! – Interrompeu o homem, ao mesmo tempo que tirava uma fita-cola própria para não permitir que uma pessoa grite. – Achava mesmo que eu o levava à minha mulher? Vai ficar aqui trancado e amanhã prepare-se que, quando a minha mulher for dar o seu passeio matinal das 8h00, você vai levar uma boa sova.
O motorista não conseguia falar, nem gritar, nem mesmo mover-se devido às cordas que o Sr. Silva lhe atara.
Entretanto, na vila principal de Sintra, a turma e a Prof. Ilda começavam a ficar preocupados com o tempo que o motorista estava a levar:
- Bolas! Já passou uma hora e nada! – Disse o Jorge Filipe.
- Não sejas impaciente, Filipe. – Afirmou a Helena.
- Exacto, provavelmente estão a ter uma conversa. – Disse a Matilde.
- Pois, uma LONGA conversa! – Exclamou a Leonor.
- Deus queira que desta vez seja uma conversa civilizada. – Disse a Mariana, olhando para o relógio.
Já tinha passado mais de meia hora e nada.
- OK, agora sim estou a ficar preocupada. É melhor irmos lá. – Disse a Prof. Ilda.
Foram todos pela esquerda, como o Sr. Silva e o motorista tinham feito. Depois viraram à direita.
- E agora? – Perguntou a Bia.
- Porque lado foram? Viraram novamente à direita, à esquerda ou dirigiram-se sempre em frente? – Perguntou a Ana.
A Professora Ilda olhava muito atentamente para a frente, e olhava tão fixamente que conseguiu ver o Sr. Silva lá ao longe, na varanda com uma mulher muito bonita que provavelmente era a Sofia.
- Em frente! Está ali aquele homem que acompanhou o meu irmão! Ali, na varanda!
E correram todos em frente, com um mau pressentimento.
Entretanto, o Sr. Silva falava com a sua mulher:
- Olá, querido.
- Já fizeste o jantar, mulher? – Perguntou o Sr. Silva virando a cara da mulher com agressividade. – Estou com uma fome de cão.
- Eu não sabia o que fazer para o jantar, Ricardo. Não me disseste.
- Quero lombinhos de porco, batatas fritas com ketchup, um ovo de estrelado e bacon. Para sobremesa quero um arroz-doce com bastante canela e para beber… champanhe.
- A que se deve toda essa alegria, Ricardo?
- Nada que te interesse. Vai fazer-me o jantar. Ah! E depois trá-lo à sala, quero ver televisão enquanto como.
- OK.
Quando a Sofia se dirigia à cozinha, ouviu um gemido. Depois outro. E depois outro. Não paravam. O barulho vinha do sótão. Desceu as escadas e de repente sentira alguma coisa no ombro. Era o seu marido.
- Não está aí nada. Não me disseste que ias preparar o jantar?
- Sim, mas ouvi um gemidos…
- Pára! – Interrompeu o Sr. Silva. – Tu queres ver o que está aí dentro, “querida”?
- Sim, ouvi barulhos… - Hesitou Sofia.
Então o Sr. Silva, com bastante força atirou a mulher pelas escadas abaixo deixando-a quase inconsciente. De seguida desceu as escadas cheias de pó e teias de aranha que não eram limpas há séculos. Levantou a mulher pelos cabelos e sussurrou-lhe aos ouvidos:
- Já te matei a curiosidade?
A mulher acenou com a cabeça acenando que sim.
- Então tu serás a próxima… - E foi encomendar uma pizza para o jantar.
Entretanto a turma e a Prof. Ilda correram o mais que puderam e finalmente chegaram à casa do Sr. Silva que, por uma tremenda sorte se encontrava aberta.
- Isto não me cheira nada bem… - Afirmou o Rui recuando.
- Nunca mais vou a visitas de estudo! – Exclamou o Gonçalo.
A Prof. Ilda também estava aterrorizada por um lado, mas por outro queria mesmo saber onde estava o seu irmão. Tinha um mau pressentimento acerca de tudo aquilo…
- Agora eu entro. – Disse.
- O quê?! – Exclamou a turma. – Nós também queremos ir. Pode ser demasiado perigoso para uma pessoa só.
- Então quanto mais para crianças. Não. Eu vou. É melhor assim. Se eu demorar mais de 10minutos chamem a polícia.
E a turma lá concordou.
A Prof. Ilda entrou com as mãos e pernas a tremer.
- Olá?! – Gritou. – Mano, estás aqui? Mano?...
- Quem é você? – Perguntou o Sr. Silva. Ah… Você estava com aquele homem na vila, não é?
- Onde está o meu irmão?
- Quer vê-lo? – Perguntou o Sr. Silva com a maior calma do mundo. Dizendo isto, ele empurrava calmamente a Prof. Ilda até ao sótão. Estavam nas escadas e, fazendo um estrondo tremendo, atirou a Prof. Ilda abaixo. Tapou-lhe a boca e amarrou-lhe as mãos tal como fizera com a Sofia e com o motorista.
A turma lá fora ouvira o estrondo e pensaram juntos:
- O que foi isto? – Perguntou a Bárbara?
- Se calhar só deixaram algo cair. – Disse o Bruno.
- Claro, pois, duvido que fizesse um estrondo como aquele! – Afirmou a Joana.
Depois chegou o homem da pizza, e tiveram uma ideia brilhante. Esconderam-se atrás de umas quantas árvores que havia no quintal e, antes que o homem da pizza pudesse tocar à campainha, derrubaram-no, atiraram-lhe uma pedra e despiram-no.
- Agora, quem é que veste esta roupa? – Perguntou a Catarina.
- Eu não sou de certeza. – Afirmou o João.
- Fazem “Par ou Ímpar”. – Sugeriu a Eluísa. – Mas tem que ser alguém grande, logo resta-nos…
- A Mafalda Cadete e o Rodrigo. – Disse a Mafalda Campos.
Lá fizeram aquele jogo muito rapidamente e calhou a Mafalda.
- Uffa, ainda que não me calhou a mim. – Disse o Rodrigo, mais descansado.
- Vai-te vestir atrás daqueles arbustos. – Sugeriu o Wesley.
E lá foi a Mafalda Cadete. Não demorou muito, cerca de 2minutos, De seguida ela pôs-se à frente da porta, segurou na caixa que trazia a pizza. Os restantes foram-se esconder. Tocou à campainha e, quando o Sr. Silva abriu a porta a Mafalda disse:
- Bom apetite.
E, muito rapidamente a turma começou a atirar os seus sapatos ao corpo do Sr. Silva. (Tinham medo de usar pedras porque muitas pedras ainda o matavam, logo deveria ser só uma, mas tinham medo de atirar só uma pois podiam falhar e não teriam outra chance pois o Sr. Silva poderia escapar).
O Sr. Silva caiu redondo no chão e a turma entrou muito cuidadosamente. Ouviram alguns gemidos que vinham do sótão. Desceram as escadas, abriram a porta muito cuidadosamente e lá estavam eles!
- Não se preocupem. Vamos desamarrar essas cordas. – Disseram.
E foi isso mesmo que fizeram.
Eu lamento dizer que não sei o que aconteceu a seguir porque adormeci quando a minha mãe, que me estava a contar esta história, chegou a essa parte. Tive um sonho maravilhoso.
Mas, ontem à noite, quando fui ao supermercado encontrei-o. O Poeta da Chaminé. Diziam que ele morrera mas não. Ele encontrava-se ali mesmo, à minha frente e a única coisa que me lembrei de dizer foi:
- Você é formidável.
E ele respondeu, sorrindo:
- Digamos que a mente é o meu diário. A chave está no coração.
FIM